sexta-feira, 29 de maio de 2009
Amigos que perdemos
pelo caminho...
por Marco Leite
... em minha vida desregrada e no mundo das drogas as coisas não foram totalmente inaproveitáveis. Durante esse período de fugas encontrei também grandes amigos, pessoas boas e que, como eu, se perderam em algum momento de suas vidas.
O uso das drogas e álcool começa como uma brincadeira, alguns usam por um tempo e abandonam, outros passam a vida inteira usando com moderação em festas, fins de semana e ocasionalmente. Mas, como eu, muitas pessoas desenvolveram a dependência e não conseguiram recuperação ou ajuda de alguma entidade, tipo a que me foi oferecida pela Comunidade Terapêutica Fazenda Renascer.
Durante o período de minha drogadição ativa e em minha recuperação perdi muitos amigos especiais e digo especiais mesmo. O primeiro deles morreu muito jovem aos 19 anos e era quase que um irmão mais novo, o ano foi 1989. Naquele tempo eu ainda não usava drogas e era um bebedor de fins de semana, mas estava sempre com esse menino e o protegia. Foi um garoto que ensinei a profissão de diagramador, mas ele, talentoso, logo já estava superando o mestre. Foi meu colega de serviço durante anos, mas foi tirado de minha vida de uma maneira chocante, foi a primeira grande perda de um amigo que tive. Volta e meia lembramos dele em nossas rodas de conversas, era um menino sem maldade e uma alma pura, mas que foi derrotado pela dependência.
Passaram-se os anos e fui perdendo vários de meus amigos e parceiros de consumo. Volta e meia, subo a lomba da Santos Ferreira para velar alguém que perdeu ou não teve tempo de acordar para uma vida espiritual e, assim, poder preencher o vazio que as drogas deixam na gente.
O último desses amigos que perdi, eu já estava com minha doença crônica estagnada (pois ela não tem cura), e ele foi buscar recuperação na mesma comunidade em que eu passei 10 meses. Chegou na Renascer e eu prontamente me propus a ajudá-lo. Não consegui, ele já estava em um estágio terminal de alcoolismo e havia desistido de lutar, saiu da Comunidade e só voltei a encontrá-lo em um caixão.
Esse é o efeito que as drogas e o álcool causam em um dependente, e sem ajuda o cara não tem coragem de lutar sozinho. Por experiência própria, eu sei que ainda vou computar muitas perdas pelo caminho de recuperação. O índice de pessoas que conseguem ficar em pé é de dois em cada 10, e isso se elas buscarem ajuda, quer seja de uma igreja, comunidades ou outra forma.
Existe saída, mas não é fácil, é preciso coragem para mudar os hábitos de uma vida sem rumo. É preciso novas atitudes, e corretas, para obter os resultados que podem levar a uma mudança de comportamento.
Amigos que encontramos
pelo caminho...
... tive um belo encontro na quarta de manhã com meu mentor profissional e grande amigo Antônio Canabarro Tróis Filho, o Tonito. Foi ele que me deu o primeiro emprego em Canoas, no jornal O Timoneiro, em 1978. Como incomodei o Tonito, fui seu empregado durante dez anos, e aprendi tudo que sei em jornal com ele. Para o Tonito eu tenho “trinta anos de praia”. Que nada, grande amigo, eu sou da sanga, e minha praia é um mundo de feliz recuperação e de gratidão pela vida ter me dado oportunidades de conhecer gente como você.
Adquiri a obra mais recente do Tonito, o livreto “Prosa Ligeira (quase verdade)”, e em sua dedicatória ele me escreveu: “Ao Marquinho, Lampião, que mantém acesa à fraternidade”.
Obrigado por tudo Tonito!
Coluna publicada no Jornal O Timoneiro
Canoas - RS
Cinco Marias
por Marco Leite
Finalmente consegui sentar para fazer a coluna para o Tribuna. Estou trabalhando sem parar desde domingo e hoje já é terça-feira, mas falo em trabalho dia e noite, com poucas horas de sono e falta de tempo até para as refeições. Fiz um boletim para os servidores públicos de minha cidade e estou produzindo um livro para um menino chamado Felipe, que tem dez anos, e vai lançá-lo na Feira do Livro de Canoas que será aberta no dia 20 de junho. O boletim eu diagramei e imprimi, entregando-o hoje. O livro está em produção e deve ficar pronto nos próximos dias.
Tenho trabalhado demais e poderia estar reclamando de tudo e de todos, das dificuldades, dos compromissos, das relações pessoais e de tantas outras coisas. Mas não vou fazer isso. Estou escrevendo para agradecer, primeiramente por estar vivo e com saúde para poder fazer tudo isso que citei acima. Agradecer pela convivência que tive com o Felipe e sua família hoje pela manhã, quando estive com eles produzindo umas fotos para o livro. Pude conversar com uma criança cheia de sonhos, a cada local da cidade que percorríamos para captar as imagens Felipe ía me contando um pouco de suas histórias, do colégio, onde jogava bola, do avô, da avó... Também contou as brincadeiras de crianças que ele faz. Fui pesquisando quais eram as suas preferidas e descobri que Felipe, talvez pelos ensinamentos dos pais, ainda preserva as velhas brincadeiras que fizeram parte também de minha infância aí em Uruguaiana.
Felipe joga bola no campinho do parque, coleciona figurinhas, joga bafo, bolita, sabe o que é pular uma sapata, entre outras tantas. Mas a grande maioria de suas brincadeiras são coisas modernas tipo jogar videogame, navegar na internet, uns bonecos estranhos (que ele diz que põem um em cada canto de uma mesa e o que derrubar o do outro fica com o boneco), não entendi nada do que ele me explicou, mas vou voltar a perguntar e aprender.
Depois dos lugares históricos da cidade fomos visitar o prefeito de Canoas, Jairo Jorge, e enquanto esperávamos para a audiência fiquei falando para o Felipe quais eram as minhas brincadeiras de criança em Uruguaiana. Falei das pescas, das pandorgas, das bolitas, de nadar no rio Uruguai, entre outras. Mas, uma em especial, chamou a atenção do Felipe, o jogo de Cinco Marias. Logo que ouviu, o guri se interessou e eu também, pois me senti jogando a pedrinha para cima e pegando primeiro uma por vez, depois duas, depois três, depois quatro e finalmente as cinco pedras, pronto passei de fase. Agora era atirar novamente as pedras e depois jogar novamente a pedra para cima e passa pela caverna feita com os dedos da outra mão. Ia contando a história do jogo para o Felipe e ele parecia que também estava jogando. Que papo maravilhoso!!!
Fiquei de produzir umas trouxinhas para o Felipe, é tipo um travesseirinho e cheio de arroz dentro, mas vou cobrar do guri ser o primeiro a jogar Cinco Marias com ele. Após fomos à audiência com o prefeito e o Felipe me deixou cheio de saudade dos tempos de guri de Urugauiana. Êta tempo bom, qualquer dia vou ai para nadar no Uruguai, dar uma pescada, e, se possível, tomar um banho de chuva. Se aparecer alguém para um desafio também posso jogar umas Cinco Marias.
Coluna publicada no Jornal Tribuna
Uruguaiana - RS
domingo, 26 de abril de 2009
Divulgando o Gratidão
Para o Aurélio Confiança é definido como:
1. Segurança íntima de procedimento.
2. Crédito, fé: O mensageiro não merecia a confiança nele depositada.
3. Segurança e bom conceito que inspiram as pessoas de probidade, talento, discrição,
4. Quem se pode contar em qualquer situação:
Dar confiança:
Tratar (alguém) com familiaridade e/ou consentir em ser assim tratado.
Depositar confiança:
Crer na honradez ou discrição de. Ter em bom conceito, em alta estima.
Confiança
Por Marco Leite
Para mim, um alcoólico em recuperação, a definição é muito mais forte, é vencer o preconceito, é ter que provar que estou forte, é vir a acreditar que Alguém muito maior que eu está me protegendo (Segundo e Terceiro Passos). É provar para mim que mereço novamente uma chance de recomeçar.
Eu quebrei todas as regras, traí, fui irresponsável, deixei de cumprir com os meus compromissos mais simples, tudo por um copo de vodka e por acreditar que assim era mais fácil fugir dos problemas e das responsabilidades.
Acredito que para o resto dos meus dias vou viver tendo que provar que sou confiável, principalmente para meus familiares. Deixei muitas marcas e muitas mágoas nas pessoas que me rodeiam e eles têm o direito de desconfiar.
Cabe a mim aceitar isso com serenidade, pois são coisas que eu mesmo plantei. Hoje, já não sofro mais com esse tipo de coisa, estou há três anos abstêmio e as pessoas já soltaram um pouco as rédeas e não me vigiam como antes.
Às vezes minha esposa e filha me ligam para saber onde ando e se já estou chegando, e fico feliz com isso, me mostram que sempre vai haver um pé atrás e um medo de uma recaída.
Quando assumi os 12 Passos de AA como espinha dorsal de minha recuperação fui chamado para uma responsabilidade que nunca havia tido em minha vida de alcoólico ativo. Agora, em abstinência e buscando a sobriedade, vivo de 24 em 24 horas.
E isso é muito mais fácil, pois assim não preciso me preocupar se vão confiar em mim amanhã, pois a minha responsabilidade é Só Por Hoje, o amanhã a Deus pertence e sei que esse confia em mim.
Acho sinceramente que os dependentes de álcool e outras drogas lutam muito com essa “confiança”, pois alguns chegaram a um ponto que nem eles mesmos acreditam em si.
Confiar é praticar o Terceiro Passo em sua plenitude. Quando se entrega a vida e as vontades ao cuidado de Deus é muito mais fácil.
Eu confio que Deus está comigo e prossigo, sempre fazendo minha parte que é praticar os Passos, principalmente o Décimo Passo, uma análise honesta e todos os dias é fundamental para se readquirir confiança, não dos outros, mas em mim próprio.
Vivo assim a minha vida hoje, se falhei ontem vou buscar acertar no hoje. O futuro não sei, pois ele não me pertence, mas preciso fazer o correto agora e sempre para ter a confiança no amanhã.
(Artigo publicado no
Site do Bairros Buritis - Minas Gerais)
A luta diária de
um “borracho”
Por Marco Leite
No último final de semana, estive em Cruz Alta. Fui a um encontro de graduados de Comunidades Terapêuticas, organizado pelo Núcleo de Apoio ao Dependente Químico, isso mesmo, eu sou um alcoólatra em recuperação e fui fazer a minha manutenção. Sem isso e também procurando viver um ‘Só Por Hoje’, não consigo me manter abstêmio e buscar a tão sonhada sobriedade que, para mim, é muito mais do que ser moderado no comer ou beber.
Não me tornei um “borracho” em Uruguaiana, tomei sim meu primeiro porre aí, mas até então nem sabia o que era bebida. Fui me tornando um alcoólatra aos poucos, dos meus 30 anos de consumo da “mardita da cachaça”. Para me dar conta que precisava de ajuda tive que perder tudo, só me restou mesmo a família, minha mãe, meu pai, meu irmão, minhas irmãs, e é claro minha esposa e filha. Fui parar em uma comunidade que trata de dependentes químicos de álcool e drogas, onde passei 10 meses, procurando o autoconhecimento e uma espiritualidade há muito perdida. Sou católico, herdei isso dos ensinamentos de minha mãe. Fiz a primeira comunhão na Igreja do Carmo, depois de muita luta de minha progenitora, já que passei três anos indo e não indo às aulas de catequese. Fui terrível nessa fase. O padre, do qual não lembro o nome, já tinha desistido de nos dar a comunhão, digo nos porque o meu irmão Bira estava junto nesse processo. Mas ir à igreja em minha infância pouco adiantou e o afastamento das coisas espirituais foi se dando com o tempo de alcoolismo e uma vida desregrada. O tempo na Comunidade Terapêutica me levou a uma aproximação com Deus novamente, isso claro que meio forçado no início, mas muito prazeroso nos dias de hoje.
Fiz esse pequeno relato para que os leitores me conheçam um pouco mais e porque encontrei, em Cruz Alta, companheiros de Uruguaiana e Paso de Los Libres. Gente que, como eu, foi lá para salvar a própria pele da dependência de substâncias psicoativas e que procuraram prazeres imediatos nas drogas.
Quando saí de Uruguaiana, em 1978, a droga já circulava por aí, o lança perfume e Perventim eram os mais falados. Eu é claro muito novo não me interessava por essas coisas. Mas conversando com os companheiros daí de nossa cidade e de Paso de Los Libres, descobri que o crack já chegou a nossa cidade. É triste saber disso, pois guardo Uruguaiana como uma cidade dos sonhos. Falo isso com o coração encharcado de lágrimas, por saber que virei um adulto e tenho que enfrentar a realidade - que é pandemia das drogas. Isso está fora de controle mesmo.
Eu dou graças ao bom Deus por estar em recuperação, sem isso não estaria aqui escrevendo esse artigo para vocês. E falo também com felicidade de ver que os jovens da fronteira estão buscando recursos e ajuda, e procurando sair desse labirinto sem fim que nós mesmos nos enfiamos.
Espero participar mais e ajudar a quem precisa. Esse é 12º Passo de AA, transmitir a mensagem e praticar os princípios espirituais em todas as minhas atividades.
Eu acredito que se eu que estava à beira da morte agora estou na luta, todos podem!!!
Tenho um e-mail e participo de um grupo, chamado Gratidão. Mandamos um jornal eletrônico todos os dias com informações sobre a doença e como buscar ajuda. O e-mail é: grupogratidao@gmail.com e está à disposição de quem quiser receber essas informações.
Parabéns a esses jovens da fronteira que tiveram a coragem de mudar. Eu que passei por esse processo sei que é simples a recuperação, porém não é fácil, a luta tem que ser diária e evitar o primeiro gole, a primeira fumada, a primeira cheirada. Fazendo isso, morremos de novo e aí o martírio recomeça.
Falo isso para alertar, porque nos últimos três anos de minha vida tenho me dedicado a ajudar a quem precisa, e faço isso para salvar a mim mesmo e por gratidão a quem um dia também me estendeu a mão.
Fica o alerta para as famílias, as autoridades e a população de Uruguaiana - a droga está instalada e é preciso reagir para continuar a ter a cidade mais bela, que é sentinela do nosso país.
(Artigo publicado no
Jornal Tribuna - Uruguaiana - RS)
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Bilhete
Por Marco Leite
Neste depoimento breve e simples quero explicar um pouco de minha ausência nestes últimos dias. Ocorre que estive muito atarefado com um trabalho longo e estafante, mas de grande satisfação pessoal. O bilhete que escrevo para vocês é uma espécie de quinto e décimo passo, um inventário pessoal relâmpago e também um relato que faço para Deus e para todos os leitores do Gratidão, que neste momento estou elegendo como padrinhos para ouvirem o que tenho a dizer a Ele. Saí da Fazenda Renascer há quase dois anos, no dia 13 de maio de 2007.
É isso mesmo, era dia da libertação do escravos no Brasil. Foi o dia que realmente recebi minha ‘carta de alforria’ de adicto (escravo) e que dizia: “Nada e nem ninguém me fará usar drogas, se eu não quiser”! Fiz disto um lema em minha vida e planejei minha volta à sociedade com muita calma. Não me deixei engolir pela ansiedade e, principalmente, pela pressa em recuperar tudo que havia perdido rapidamente. Tenho andado com calma e aos poucos e minha vida tem se ajeitado.
Tenho a satisfação pessoal de saber que estou no caminho certo. Tenho minha família de volta, minha filha volta a acreditar que tem um pai e um amigo, ganhei novos e verdadeiros amigos, tenho pessoas e grupos a quem recorrer quando enfrento problemas, gente que entende minha cabeça ainda confusa pelo longo período de adicção ativa.
E tenho que confessar que o que mais me faz feliz é ter de volta minha vida profissional. Esse último trabalho que peguei me deu a certeza que estou de volta, não pelo dinheiro que vou receber, até porque nem preço acertei com meu contratante. Mas pela dificuldade do trabalho e de saber que em momento algum tive que recorrer a substâncias para continuar, mesmo quando o cansaço era completamente dominante. Muito pelo contrário ligava para o pessoal envolvido no projeto e avisava que precisava para algumas horas e eles entendiam.
É bom saber de tudo isso, mas é bom sempre estar refletindo e agradecendo. Sem isso posso cometer o mesmo erro de antes que é o de “viajar no sucesso”. Tenho que saber que uma vida em recuperação passa por algumas proibições, uma auto vigia constante, principalmente na euforia, que para mim é o maior dos perigos. Eu sou deslumbrado e, se não me cuidar, isso pode me derrubar. Por isso peço que me critiquem, me dêem retornos construtivos. Elogios, também gosto é claro, quem não gosta, mas eles são um perigo para um adicto e eu sei disso.
Estou de volta no jornal Gratidão e procurando e lendo textos que divido com todos é uma maneira de me manter em pé. Essa obrigação diária com quem lê ou recebe e não lê, me faz sentir na Fazenda Renascer, onde também haviam os interessados e os desinteressados na caminhada de recuperação. Aqui na rua é a mesma coisa, recuperação é simples, mas não é fácil. Como pode um adicto compreender que tem que controlar sua alegria? Mas é assim mesmo a felicidade não é momento, é continuidade e equilíbrio.
Eu procuro fazer isso e tem dado certo até hoje. O amanhã? Não sei. Estou vivendo só por esse instante como costuma dizer meu amigo Chemale. Vejam que não citei vontades e falta de drogas. É que realmente não penso mais nisso, escolhi no dia 13 de maio viver sem isso e é gratificante saber que a felicidade não está nas fugas, mas no enfrentamento dos problemas com serenidade e gratidão.
Tenho a certeza que quando Deus se aproximou de mim e me tocou, não me deu garantia que eu não teria problemas, mas certamente me deu armas ou ferramentas para enfrentar. E é assim que vivo fazendo o bem conforme os desígnios de Deus, feliz e grato por, Só Por Hoje, estar em plena felicidade por ter me libertado das correntes da adicção. Mas, preciso sempre lembrar que venço novamente só hoje, o amanhã não me pertence e o passado já passou. Por isso sou grato todos os amanheceres em que ganho um PRESENTE de Deus.
Ode a Uruguaiana
Uruguaiana... Feliz tu nasceste...
À beira de um rio... Sorrindo ao luar
Nasci e me criei junto dos rios Quaraí e Uruguai. Feliz, nasci próximo à beira de dois rios, sorrindo ao nascer do sol e ao luar. Fico pensando que minha infância está infinitamente ligada aos rios que banham Uruguaiana. Quase tudo em minha infância lembra o velho Uruguai, vejam só: aprendi a dar os primeiros passos à beira do Quaraí, logo depois me foi apresentado o rio de minha infância - o Uruguai. Foi na beira do rio que aprendi a ler, isso mesmo, levava os livros para poder ficar mais próximo das pescarias, das travessuras. Enfim, a costa do Uruguai é considerada por mim como um espaço de educação e também um divertimento de criança.
Uruguaiana... Cidade alegria...
Ouve a melodia... Deste meu cantar
Eu era feliz e não sabia. Uruguaiana é a bela lembrança dos tempos de um guri que estudou em diversas escolas e que tocava tarol na banda de todas elas. Felicidade também era poder cantar o hino na Semana da Pátria, durante os desfiles, era um divertimento e ensaiávamos o ano inteiro para esse momento.
É um canto modesto... Que é o manifesto...
Do meu coração... Ele quer adorar-te
Cantar fazia parte de minha infância. Isso era feito com alegria, sem vergonha de botar para fora o amor por uma cidade modesta, mas com orgulho por fazer parte dessa comunidade, de poder manifestar de coração o amor pelo seu município.
Pois tu fazes parte... Do nosso torrão....
No jardim de meu país... És também uma flor
Uruguaiana é uma cidade que, mesmo à distância, não deixou de fazer parte de minha vida. Tenho lembranças vivas dos jardins floridos, cultivados por nós mesmos, e hoje, se a gente quer uma flor, tem que comprar. Em Uruguaiana, nós colhíamos o que plantávamos.
O teu povo é feliz... Vivendo neste esplendor...Cidade Fronteira
Sou profundamente grato por ter vivido nesse esplendor, e que esplendor!!! Só quem viveu aí pode lembrar do rio, do Carnaval, da Califórnia da Canção Nativa, dentre tantas coisas, como também as rixas com os correntinos sempre nos lembrando que éramos fronteira de um País e tinha orgulho disso.
És toda coberta... De um céu cor de anil..
Tens a honra mais bela... De ser sentinela... Do nosso Brasil
É Uruguaiana do céu anil, quem tem a honra mais bela de fazer parte de tua comunidade sou eu!! Eu fui e sou parte dos sentinelas do nosso Brasil!! Sou grato e estou sempre lembrando do meu passado esplendoroso nesta cidade maravilhosa, onde nasci, me criei e forjei meu caráter.
Muito obrigado, Uruguaiana, melhor cidade do mundo.
terça-feira, 10 de março de 2009
Causos
por Marco Leite
Minha filha passou no Vestibular da Ulbra aqui em Canoas, escolheu três cursos: Artes Visuais, Produção Audiovisual e Física. Agora está em processo de escolha do curso e cheia de dúvidas. Não esquento muito a cabeça. A escolha deve ser dela, quero vê-la feliz e se não for nenhum desses cursos, a Maria Clara vai ter um leque de opções para escolher. O que não falta pela região é universidades.
Esse processo que minha filha está passando me fez lembrar de 1977, foi no final desse ano que minha família se mudou de Uruguaiana, viemos de mala, cuia, mobília e até um cachorro chamado Gueyle.
Mas por que saímos de Uruguaiana? Por duas razões. A primeira era que meu pai, Seu Vilmar, para poder se aposentar teria que ficar um tempo embarcado em navio, pois sendo marinheiro e cedido ao Corpo de Fuzileiros, precisava cumprir horas para poder ir para a reserva. Esse tipo de coisa só no Rio de Janeiro ou em outros centros é que tinha.
A outra e principal razão foi o acesso à universidade. Minha irmã mais velha, Marione Leite, uma das primeiras repórteres da TV Uruguaiana, veio para Canoas junto com minha comadre Eloá Lopes da Rosa para estudarem Jornalismo. Nossa família é uma escadinha, temos diferença de mais ou menos um ano de irmão para irmão, e só a última é que tem cinco anos de diferença. Pois esse processo de mudança se deu porque mesmo sendo uma cidade com grande qualidade de ensino, Uruguaiana, por estar em uma zona rural, só oferecia cursos que tivessem a ver com a cultura econômica da cidade, que era a agricultura e a criação de gado.
Todos os meus irmãos, sem exceção, chegaram em Canoas com um excelente preparo educacional. Não porque o ensino em Canoas fosse fraco, mas o que se sentiu na minha família é que o nível de Uruguaiana era superior. Passou muito tempo desde nosso êxodo para a região metropolitana e, durante esse período, encontrei vários amigos, colegas e conhecidos morando e estudando em Porto Alegre. Fico pensando como a falta de opção de ensino superior em nossa cidade fez com que as pessoas se afastassem e fossem conquistar a profissão de sua escolha longe da família e dos amigos. Creio que alguns até retornem para Uruguaiana, mas a grande maioria acaba ‘se achando’ e não volta, estabelecendo-se em grandes centros. Penso que, por tudo isto, a cidade é prejudicada, perde seus moradores, suas raízes, sua base cultural e a sua história.
Eu por exemplo tenho familiares por aí, mas há muito tempo não sei onde andam e se estão bem. Claro que o meu caso é meio especial, pois vim com pai, mãe e todos os irmãos para Canoas. Mas, há alguns meses estive aí no aniversário de minha comadre e não procurei ninguém de minha família. Uruguaiana cresceu muito e eu não saberia localizá-los nas poucas horas que permaneci na cidade. A única que realmente mantém contato com os parentes é minha mãe, que volta e meia ela fala sobre nossos tios e tias. Mas confesso que quando ela fala são nomes que não lembro e não me remetem aos meus tempos de guri de Uruguaiana.
Em tempo: Deu Ilha do Marduque no Carnaval de Uruguaiana!!!!!! Fiquei orgulhoso pelo bairro que meu pai ajudou a dar o nome de Ilha no Marduque, certamente teria saído na escola se estivesse por aí. Mas não pude deixar de me emocionar quando vi a velha Cova da Onça, que para mim foi a escola mais bonita de todas. Infelizmente, não basta ser a mais bonita, tem que ter um desfile tecnicamente perfeito e isso foi o que fez a Ilha do Marduque. Parabéns a todos de Uruguaiana pelo Melhor Carnaval do Rio Grande do Sul, quiçá do Brasil.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Causos
O valor familiar
Pois é, terminou o Carnaval...
... e lendo o livro “Ciclos: de vida ou de morte, em qual deles sua família está?”, de Alexa Guerra, me botei a refletir sobre os valores familiares e o que eu perdi com minha saída de Uruguaiana. Em minha época de guri eu realmente tinha valores familiares e a coisa foi se perdendo, inclusive os exemplos deixados pelos meus avós maternos e pela mãe e o pai. Como decresci quando deixei de ser criança e virei um adulto...
Lembro, como se fosse hoje, de meu pai chegando do quartel, e de nós esperando pelo seu retorno. Lembro de minha mãe, como uma pessoa que se dedicava totalmente aos filhos e à família, e que ainda se dedica.
Em meu tempo de Uruguaiana era comum os pais serem recebidos com alegria pelos filhos, pais que passeavam conosco nos fins de semana e que iam em todas nossas atividades escolares. E como era legal ter a presença deles em qualquer dessas ocasiões. Nossos pais eram verdadeiros fãs e o aplauso e reconhecimento deles era a garantia de nossa felicidade. Por sermos muito moleques e travessos, nossos pais tinham que ser severos e duros para corrigir erros e nos disciplinar, ainda mais que meu pai era militar.
Recordo que esperávamos ansiosos para as ocasiões festivas como Natal, Dia das Mães e dos Pais e os fins de semana para todos estarem reunidos para comer a melhor das refeições – “a da mamãe”.
Era o Pai que me levava para pescar, jogar bola, bolita, dama, dominó, empinar pandorga e outras tantas diversões. E quando nos reuníamos com primos e irmãos para uma disputa de sapata, cinco marias, esconde-esconde e forte apache logo vinham as brigas, os brinquedos espalhados pela casa, a bronca da mãe, o choro, os risos, enfim uma fartura de vida.
Nossa casa era cheia de amor, de gente, contentamento, abraços, beijos e risos. Também tinha um jardim zoológico em nossa casa, ou seria um lar, com bichos variados: caturritas, papagaios, cachorros, galinhas, coelhos, tartarugas, gatos e até um graxain. Isso mesmo, uma raposa. E todos faziam parte, é claro, da grande família Machado Leite.
Tinha ainda um jardim botânico dentro do quintal, com plantas ornamentais e frutas variadas. Em nosso pomar tínhamos uva, pêssego, maracujá, goiaba, abacate, figo, laranja, limão, entre tantas outras.
Floricultura era o nosso quintal; fruteira, o nosso pátio. E até açougue, de vez em quando, tinha no terreiro lá de casa. E nas férias com toda a família unida, não importava se na roça, na beira do rio Uruguai ou na casa de algum parente, o importante era a reunião familiar.
Para nós, aí em Uruguaiana, o importante era estarmos juntos e isso fazia a vida valer à pena.
Mas, infelizmente, parece que não dei valor a isso e minha família vem se extinguindo. Sei que posso e devo reverter esse quadro, mas é preciso esforço e não só meu. Precisamos de uma auto-análise séria e rever os conceitos de família que a modernidade nos trouxe. Os valores hoje são outros, nos preocupamos tanto com quem está certo ou errado e nos esquecemos do que é certo e do que é errado.
Temos que dar um basta e parar com o ciclo de desunião que está se instalando dentro da sociedade e isso tem atingido profundamente os valores da família.
Até a próxima semana e fiquem com Deus.
“Feliz daquele que teme a Deus, o Senhor,
e vive de acordo com a sua vontade!”
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Causos
"Gato por lebre"
Hoje é Quarta-feira de Cinzas, dia 25 de fevereiro, 7h58min. Acordei cedo, pois não fui Carnaval, fiquei em casa descansando. Portanto, não estou com aquela ressaca carnavalesca. Mas foram quatro dias de total ócio, dedicados à gastronomia e isso inspirou meu artigo.
Me considero um churrasqueiro de mão cheia e excelente cozinheiro, principalmente da culinária campeira que aprendi ainda criança com minha mãe e minha vó, lá pelas bandas da costa do Uruguai. Não me aperto no preparo de nenhuma comida salgada, nos doces eu não me atrevo, deixo para minha mãe Dona Ione ou minhas irmãs, grandes doceiras.
Nos tempos de guri, em Uruguaina, sempre ajudei no preparo das comidas de fim de semana, aquelas mais especiais, como o churrasco de ovelha, tapichi (vitela), costela de gado (aquela escolhida, hoje só se come do gado Melore, a boa do RS não se encontra por aqui em Canoas), capincho e muito peixe pescado, limpo, temperado e assado na folha de bananeira.
Na panela eu também me acertava bem em carreteiro, galinha com arroz (aqui eles chamam de galinhada), risoto ou arroz-de-forno. O principal prato de fim de semana era galinha caipira ao molho de ervilha, tendo como acompanhamento vários tipo de massas, como talharim, espagueti, nhoque, entre outras. Os responsáveis pelo sacrifício da ‘penosa’ de fim de semana eram meu irmão e eu, e o processo seguia um ritual: primeiro a mãe escolhia no terreiro uma galinha bem gorda e viçosa. Após era feito o sacrifício que era a quebra do pescoço, depois a galinha era passada em água fervente e nós tirávamos todas as penas e também sapecávamos no fogo para tirar as pequenas penujens que restavam. Quando o prato era ao molho pardo tinha um processo a mais, que era a sangria, pois o molho era feito com o sangue da galinha. Uma das partes preferidas dessa galinhada era as ovas da aves, muito apreciadas e disputadas por todos. Carnaval também me remete a lembrança de sopas, santo remédio para ressaca, principalmente a canja de galinha e era aí que a mãe aproveitava os miúdos da galinha sacrificada, ou das, pois a mãe ia juntando e depois jogava tudo na sopa.
Uma das coisas que mais me marcou na infância também ocorreu em uma quarta-feira de cinzas. Como vocês já sabem, meu pai Seu Vilmar fazia parte dos fuzileiros navais. Após o Carnaval da cidade, lá pelos meus 10 anos de idade, o Zé da Hora, colega e cozinheiro dos fuzileiros, convocou todos na coorporação para uma "lebrada" e eu fui junto no almoço de fim de Carnaval. Zé era um exímio cozinheiro e cada convite para uma dessas comilanças era motivo para todos se reunirem, beberem e saborearem os pratos do ‘chef’.
As lebres seriam servidas ao molho e acompanhadas de massas e saladas, esse tipo de animal tinha muito nos fundos do quartel e, sempre que possível, era saboreado pelos membros da corporação.
Porém, após todos estarem fartos da deliciosa comida, o Zé da Hora bateu naquela imensa panela onde estavam o molho e poucos pedaços que sobraram e anunciou: “queridos colegas, durante o Carnaval me foi dada a missão de acabar com os gatos aqui do grupamento, e foi o que fiz. Porém, para não me sentir culpado pelo extermínio dos bichanos, resolvi fazer essa "lebre" ao molho. Espero que todos tenham feito um bom proveito, mas não se alardem se descobriram que vocês comeram "gatos por lebre".
Das minhas lembranças de Uruguaiana essa é uma das mais marcantes e realmente durante muito tempo não se viu mais gatos no quartel, talvez por medo do Zé da Hora.
Um abraço e bom Carnaval a todos, pois sei que aí só ocorre em março.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Causos
“As Mimosas Borboletas”
e a “Nega Tereza”
Atendendo às pressões de minha colega de profissão, Priscila, diagramadora do Jornal Tribuna, coloquei minhas idéias em ordem e comecei a escrever o artigo deste sábado. Aqui em Canoas, onde resido, o Carnaval começa neste fim de semana e segue até o meio da próxima. Vai ser a maior debandada, mas eu vou ficar por aqui, tenho trabalho, e vou curtir o Carnaval em casa, pela televisão.
Antigamente não era assim, pois aí em Uruguaiana eu e minha turma já teríamos organizado um bloco e com certeza estaríamos em volta com a confecção de fantasias, para poder desfilar na avenida. É verdade, no meu tempo de Carnaval os blocos tinham dia para desfilar. Sem compromisso de concorrer a nada, era só por diversão.
Nós da rua Vasco Alves tínhamos um bloco chamado “As Mimosas Borboletas”, e todos os vizinhos jovens e velhos se organizavam para sair no bloco. Era uma função que tomava conta do bairro. Lembro-me, como se fosse hoje, da última vez que saímos na avenida. Fomos um sucesso total, todos de maiô rosa e peruca da mesma cor, confeccionadas com fitas para presentes. Ficou uma coisa hilária, e nossa “rainha” era um homem de quase dois metros de altura e magérrimo. O bloco tinha mais ou menos uns trinta componentes. A mais pura alegria do Carnaval.
Outra passagem carnavalesca que me marcou muito era a turma dos fuzileiros navais formada por Zé da Hora (cozinheiro da corporação e que, dizem, gostava de cozinhar gatos e servir aos companheiros de quartel dizendo que era coelhada); o Veludo (grande tocador de cuíca e tamborim); o Queirós; o Juvenal; o Lira e, é claro, o meu pai Seu Vilmar. Esses caras sabiam curtir a data e são eles, talvez, os grandes incentivadores do grande Carnaval de Uruguaiana.
Sem eles, com certeza, nossa cidade não teria sido influenciada pelo estilo grandioso do Carnaval carioca e baiano. A migração desses ‘estrangeiros’ para prestar serviço militar trouxe junto o espírito do Carnaval para Uruguaiana. Lembro que eles construíam grandes bonecos, que chegavam a cinco ou seis metros de altura. Um deles chamado “Nega Tereza” certa vez encostou em fios da alta tensão e pegou fogo em plena avenida, causando um grande alvoroço.
Chego a ficar emocionado quando falo do Carnaval em Uruguaiana, pois durante muito tempo procurei fazer a mesma coisa aqui em Canoas, mas não deu certo, a cultura daqui é diferente. Falta o ‘espírito’ carnavalesco de Uruguaiana e que foi herdado pelos grandes fuzileiros que um dia fundaram as escolas da cidade, mas principalmente plantaram na fronteira oeste a semente de um Carnaval que não existe em nenhum outro lugar.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Causos
“Mas, afinal, e tu, és cova ou Rouxinol??
Por Marco Leite
Sempre fui Cova da Onça, uma das mais tradicionais escolas de samba de Uruguaiana, surgida há mais ou menos uns 50 anos lá pelas bandas da região da baixada, onde fica o Colégio Santana. O nome da Cova, como é chamada pelos simpatizantes, surgiu de um prostíbulo que tinha por lá, e a origem vem do pagamento que era feito na casa de diversão na qual os cliente pagavam com onças, a moeda da época de fundação da querida vermelha e branca.
O grande adversário da Cova da Onça era, na minha época, Os Rouxinóis, também da região da baixada. Esta escola foi fundada pelos fuzileiros navais cariocas e de outras regiões do país que serviam na cidade. Meu pai, Vilmar Damasceno Diniz Leite, fazia parte do grupo dos fuzileiros carnavalescos e era dos Roxinóis, de cores verde e branca. E ele vivia me perguntando volta e meia “mas afinal, e tu, és Cova ou Rouxinol”?
Em minha época tinha também uma pequena escola, e que era querida por todos, O Irapuru, das cores verde e rosa, que lembrava a velha Mangueira carioca, mas pelo que sei essa escola não existe mais. Durante toda minha juventude ouvia falar que em Uruguaiana se tinha o melhor carnaval do Brasil, um certo exagero, ao meu ver, que considero o do Rio de Janeiro é imbatível.
Mas com a minha mudança para Canoas pude constatar que é realmente disparado o melhor do Rio Grande do Sul. Tanto, que até exportou a festa para o lado da Argentina e que agora conta com o Carnaval também em Paso de Los Libres.
Outra escola que faz sucesso hoje em dia é a Ilha do Marduque,, do bairro com esse apelido, mas cujo nome oficial é bairro Mascarenhas de Morais. Posso garantir para todos que o apelido do bairro foi dado pelo meu pai e um companheiro dele de boteco. Lembro muito bem da novela O Egípcio, que originou o nome Ilha do Marduque. Não conheço a escola da Ilha do Marduque, só sei que falam maravilhas dela. Se eu estivesse por aí ainda certamente teria virado simpatizante, pois me criei no bairro.
Mas o melhor do Carnaval de Uruguaiana não estava na Avenida e, sim, nos “blocos de sujos” e na guerra de bexigas d’água que duravam toda a semana de festa e se espalhavam por toda a cidade. Ainda tinha os bailes de salão do Clube Caixeiral e do Grêmio Tiradentes.
Lembro que nos organizávamos meses para esses momentos, montávamos grupos e planejávamos atacar os redutos inimigos. Era pura diversão e sem a maldade que o Carnaval dos dias de hoje traz. Talvez aí, sim, resida o termo Melhor Carnaval do Brasil, porque nos quesitos diversão sem interesses econômicos e maior espírito carnavalesco só vivenciei em Uruguaiana.
Obrigado a todos e bom Carnaval!!
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Passo do Mês - Segundo Passo
poderia devolver-nos a sanidade”
A sugestão é a de que passemos a acreditar que a solução pode vir de algo ou alguém superior a nós com o poder de devolver-nos a sanidade.Duro golpe em nosso orgulho perceber que sozinhos não conseguiremos deter o avanço de nossa adicção e que, em aceitando este passo, também estamos admitindo que nos tornamos insanos. Insanidade por definição para recuperação de alcoolismo ou droga dependência é: “fazer as mesmas coisas, esperando resultados diferentes”. Sanidade por definição para recuperação de alcoolismo ou droga dependência é: “Fazer coisas práticas, esperando resultados práticos”.É sempre bom percebermos que estamos diante de um programa espiritual e não religioso e que, portanto, o importante é mantermos a mente aberta, deixando de lado antigas convicções religiosas da infância ou ativa.
Quando crianças, a maioria de nós cria em um Deus punidor que iria nos castigar se fizéssemos o que os adultos queriam. Quando na juventude, nos revoltamos contra tudo e todos e passamos a agir como se cada um de nós fosse o próprio Deus. A conseqüência de nossa revolta e afastamento de Deus agora se traduz em vida falida e sem controle, com a droga exercendo o poder sobre nós.O Segundo Passo nos devolve a esperança em dias melhores, posto que quando viemos a creditar passamos a ter a possibilidade de uma luz no final do túnel.
Na caminhada, diante de qualquer dificuldade ou presença de sinal de seqüelas devido ao uso, podemos sempre recorrer ao Segundo Passo a vir a acreditar com mais determinação na ajuda de nosso Ser Superior.Ao elaborar os Passos, as pessoas inspiradas para tal, tiveram esta excelente “sacada” de concepção de um Deus conforme o entendimento de cada um, o que não “engessa” essa proposta de recuperação e não tenta condicionar o dependente a aceitar essa ou aquela crença religiosa. Todos, independente de qualquer situação, podem praticar esse programa. Dentro do programa estamos livres para determinar a que Poder Superior nos entregaremos para que o mesmo nos ajude. Devemos, porém, buscar Um que “possa devolver-nos a sanidade”.
Diante de tanta flexibilidade de escolha não deveremos ter maiores dificuldades em abrir nossa mente e vir a creditar que um Poder Superior de nosso pessoal entendimento possa nos devolver a sanidade. Sendo que em um primeiro momento até nosso grupo de mútuo ajuda ou o grupo de companheiros de residência na própria comunidade de recuperação, poderão ser escolhidos e elevados à categoria de Poder Superior a nós mesmos.Afinal, o grupo está em abstinência de álcool e drogas e muitos deles, em muitos momentos, já apresentam sinais de que estão sendo devolvidos à sanidade. Com o tempo e perseverança dentro do programa aprenderemos a reconhecer a presença do próprio Deus agindo em nossa nova vida de recuperação. Muito, muito mais poderia ser meditado sobre esse Passo, mas, a princípio, nos basta vir a acreditar que algo muito mais forte e poderoso do que nós mesmos e as drogas está conosco e pode nos ajudar na árdua tarefa de reaprender a viver novamente.
Um abraço, e mais vinte e quatro horas, só por hoje.
Presença de Deus
Dia 30 de Janeiro, 20h45min, tirei essas fotos da sacada de meu apartemento, em Canoas, Rio Grande do Sul. Sei que cada um vê o que quer!!! Mas eu senti uma forte presença de Deus!!! Dividi as imagens com alguns amigos da internet e recebi as seguintes mensagens:
Lindo marco, adorei, obrigada, bj, Silvana - Porto Alegre - RS
Oi Marco leite,
Alex Jefinny - Canoas - RS
Obrigada pelo carinho, amigo gaúcho!
Ontem quando recebi esta imagem por e-mail, não tive a menor dúvida que Deus está pertinho de você a cada dia de sua caminhada.
Obrigada por ter compartilhado esta emoção comigo, viu?
Um suave e sereno dia para você com muita paz em seu coração e muita luz em sua caminhada.
Deus te abençoe.
Com carinho,
Marília Teixeira Martins - Belo Horizonte
Amém
Marcelo Martins - São Paulo
Estimado amigo Marco Leite: Muy bueno e increible. Pero es real. Muchas gracias por compartir las imágenes. Mabel Alvarez - Uruguai
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
“O Chibo”
Por Marco Leite
Pois em minha infância em Uruguaiana, durante muito tempo, fui “chibeiro”. Não daquele tipo tradicional, que trazia as coisas a cavalo ou puxadas por chalana. A história do chibo, esse “cabrito”, em castelhano, confundesse com o gaúcho da fronteira, principalmente de Uruguaiana. O chibo foi muito usado no contrabando do charque, e um dos motivadores das Guerras dos Farrapos e do Paraguai. Mas não é da história do Rio Grande do Sul que eu estou aqui para falar e sim de minha infância e das estripolias que eu e meus amigos fazíamos nas barrancas do Uruguai, lá pelos anos 70, tempo em que o Brasil foi tricampeão mundial. O nosso chibo era diferenciado e tinha um espírito aventureiro de fazer inveja a muitos chibeiros experimentados. Criei-me tendo uma família de chibeiros como vizinhos, todos filhos de um correntino com uma uruguaianense. Não lembro os nomes deles mas os apelidos sim, eram Balalo, Rengo e Chucha. Esses três, junto com o Bira, meu irmão mais velho e eu formávamos a quadrilha de chibeiros das barrancas do Uruguai. Lembro como se fosse hoje, quando alguém da casa vizinha gritava: “o fulano trouxe um chibo de Libres”, e nós nos reuníamos e nos preparávamos. O chibo passado por nós era bem interessante. Nos dirigíamos ao rio Uruguai, munidos de corda, câmeras de pneus de caminhões e muita coragem para enfrentar as correntezas do rio perigoso e que assustava mesmo. Mas nós, excelentes nadadores, não nos assustávamos com nada e era a mais pura diversão e aventura. Os chibeiros vizinhos passavam a mercadoria pela aduana Argentina, onde a fiscalização era mais “amiga”, e não conseguiam passar ao lado do Brasil. Então, a solução era se “livrar” do chibo no meio da ponte internacional e é ai que nós entrávamos. Ficávamos esperando de baixo da ponte e, por meio de cordas, recebíamos as mercadorias. Amarrávamos tudo nas “bóias”, devidamente envoltos em sacos plásticos para não molhar. Depois era “braciar” até a margem do lado brasileiro e comemorar mais uma aventura perigosa vencida. O “chibo” passado por nós era somente de produtos alimentícios: farinha, óleo, feijão, arroz, entre outras coisas. Garantíamos o sustento daquela família necessitada e que vivia essencialmente desse tipo de atividade. Naquela época quase não haviam roubos e assaltos em Uruguaiana, e o maior crime era exatamente este passar mercadorias e driblar a fiscalização com o “chibo”. Não sei como é que funciona hoje, pois estou distante. Mas se a evolução do ilícito chegou por essas bandas o “chibo” passou ser tráfico de drogas que, em nossa época, já existia com o “lança”, como era chamado um aérosol altamente intoxicante, muito usado nas festas de Carnaval tanto em Uruguaiana, como nas praias e na capital do RS.
Artigo Jornal A Tribuna - Uruguaiana - RS
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
IMPOTÊNCIAS
Fernando – Osório - RS
Na minha concepção, os Passos não são estáticos, e sim dinâmicos. Minha compreensão sobre eles evolui e se modifica juntamente com minha própria recuperação. E o Primeiro Passo se enquadra nesse contexto, na minha opinião, o único fator imutável neste passo é a "...impotência ao álcool e a outras drogas".
No início da minha recuperação, no Primeiro Passo, eu entendia que eu era apenas impotente ao uso de substâncias que alterassem meu humor. Num segundo momento percebi que minhas impotências iam além disso... eu era impotente não só ao uso de drogas, mas também a sua simples proximidade, impotente ao manuseio de dinheiro, a festas noturnas, a emoções e sentimentos como autopiedade, euforia, stress, irritação. Com o lento e gradual amadurecimento da minha vida em abstinência, algumas dessas impotências perderam força em sua influência sobre minhas atitudes. Outras se afirmaram como reais "áreas de risco", me mostrando que mesmo com o passar do tempo ainda têm um grande poder de persuasão sobre meu comportamento em relação ao uso de drogas. Por isso destaco a importância de um verdadeiro e sincero autoconhecimento para a busca de um sólido caminho rumo à sobriedade.
O manuseio de dinheiro nos meus primeiros tempos abstêmio era um verdadeiro "calcanhar de Aquiles" para mim. Ao ver as notas de dinheiro, minha mente as convertia automaticamente na quantia de droga equivalente. Sendo assim, eu evitava ao máximo o contato com cifras mais razoáveis, pois sentia claramente que seria “perigoso.com”. Com o passar do tempo, surgiram situações imprevistas em que tive que enfrentar essa impotência e notei que sua força sobre mim já não era a mesma. Hoje, lido com o dinheiro com mais naturalidade, embora procure me proteger sempre que possível. Agora vejo que essa era uma impotência mais ligada à época em que a "ferida estava mais aberta" e que apenas coloquei-a no plano dos "evites". Porém essa situação pode se alterar novamente, dependendo do meu comprometimento com minha recuperação. Já as situações emocionais, como stress, autopiedade, irritação, citadas anteriormente, realmente continuam se apresentando como verdadeiras impotências que significam risco para uma possível recaída... Não me "dou ao luxo" de permitir que esses sentimentos se desenvolvam dentro de mim, pois vejo que são "campo minado", e me esforço pra detectá-los o mais precocemente possível e amenizá-los com a ajuda de companheiros, partilhas, grupos etc...
Dei esses dois simples exemplos para mostrar como é "VIVO" o processo de recuperação e, por isso, é tão fascinante... Para finalizar, gostaria de salientar que, na minha opinião, devemos estar sempre alertas, e principalmente, nos primeiros tempos de abstinência devemos nos proteger ao máximo em todas as direções, e cuidar para não cairmos na tentação de compararmos nossa recuperação com a de outros para justificar nossas atitudes, como por exemplo: "...fulano de tal vive em baladas e continua firme em abstinência, então eu também posso". Entendo como perigoso esse tipo de pensamento. Vejo que tenho que, primeiramente, desenvolver um autoconhecimento sincero para observar bem quais minhas verdadeiras e atuais áreas propensas ao risco de recaída. E isso só o tempo e a evolução nesse processo pode nos proporcionar. Um abraço e muitas 24 horas a todos.
Vejam o vídeo do Padre Haroldo na Fazenda Renascer
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Se não recai.. por quê voltei?
Marco Leite
Passei uma semana como residente da Comunidade Terapêutica Fazenda Renascer, sem mordomias, fazendo todo o trabalho e seguindo a disciplina rígida de horários e tarefas que nos são sugeridas durante o período em que se permanece por lá.
Mas voltei... por quê? Se não recaí...
... voltei para me proteger principalmente da festas de fim de ano, o Natal e o Ano Novo, e também para renovar minhas energias de recuperação. Manter viva a chama de recuperação para mim é fundamental, pois se não reconhecer que sou um doente e estou em recuperação posso cair novamente. Não é isso que quero e nem minha família, que apostou e continua apostando em minha nova forma de encarar a vida. Neste período de residência vi como a rotina na rua te leva a relaxar na recuperação. É muito fácil eu me esquecer, por exemplo, das reuniões de metas, um exercício praticado na Fazenda, nas quais o residente recebe uma meta e tem que praticar, e depois de sete dias é avaliado por seus companheiros.
As metas são as seguintes:
Espiritualidade – Aceitar, ajudar e respeitar os outros como eles são, não guardar rancor, buscar um Poder Superior.
Comportamento – Mudar o comportamento de ativa. (Modo de agir)
Aceitação – Aceitar a mim mesmo e aos outros. Aceitar que preciso de ajuda.
Partilha – Partilhar dificuldades e alegrias sobre a programação.
Boa Vontade – Fazer as coisas bem feitas, com vontade. Estar sempre pronto para ajudar (3º Passo).
Disciplina – Ter horários, respeito, educação, postura e determinação.
Mente Aberta – Aceitar sugestões, absorver dificuldades e tirar para crescimento (2º Passo).
Adaptação – Adaptar-se aos horários, normas, grupo, etc.
Perseverança – Perseverar no cumprimento do programa.
Interiorização – Conhecer a si mesmo, buscar autoconhecimento.
Busca do programa – Ser participativo em reuniões e espiritualidade, buscar ajudar os outros. Buscar literaturas e sugar o máximo de informações possíveis.
Paciência – Não agir por impulsão, agir sem ansiedade, sem pressa. Buscar compreender e entender.
Humildade – Quebrar o orgulho. Ser o que realmente é, sem máscaras.
Seriedade – Ficar sério nos momentos certos. Levar o programa a sério.
Serenidade – Tranqüilo, calmo, pensar antes de agir, aceitar.
Auto-Estima – Gostar de si. Higiene, roupas. Sentir-se bem, valorizar-se.
Honestidade – Assumir suas responsabilidades. Não mentir, nem enganar. Cumprir a palavra, sem máscaras nem falsidade (1º Passo).
Auto-Vigia – Não se descuidar no tratamento, horários, objetos, normas (1º Passo) . Vigiar-se nos relacionamentos.
Cooperação – Estar sempre pronto a ajudar. Cuidar para não sujar ou atrapalhar o serviço dos outros.
Não tive a oportunidade de participar de uma dessas reuniões de mútua-ajuda, pois era um período de festas e a rotina era mais de trabalho e de muita espiritualidade. Mas o que mais procurei praticar na comunidade, em meu retorno, foram principalmente duas coisas, Disciplina e Espiritualidade. Pude perceber como a rotina na rua te faz perder a disciplina que é ensinada na Fazenda, e eu achava que estava fazendo tudo certo na rua. Que nada!!! Fui pego em várias falhas nesse quesito, tipo: esquecer roupas, chinelos, falar em horários impróprios, entre outras coisas.
Quanto à espiritualidade, sempre pratico aquela convencional, que é ler coisas relativas ao assunto e mandar e-mails para ex-residentes. Mas todos sabemos que espiritualidade é muito mais que isso. Espiritualidade é estar bem consigo mesmo e isso se reflete nos relacionamentos. É servir sem querer recompensas. Tarefa difícil esta, mas me saí bem! Fui quebrando aos poucos a desconfiança dos residentes que me achavam um olheiro da direção da entidade ou que eu estava pagando uma de “curado”, e comecei a me relacionar muito bem com todos. Perguntado pelo professor de Tai Chi Chuan, Mestre Adriano, o que fazia por lá?, respondi:
Porque estou feliz, e um coração feliz fica e se sente bem em qualquer lugar!
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Castelo nas nuvens
Interessante o processo que um dependente de álcool e drogas passa. São diversas etapas e eu, não ao contrário dos outros, também passo. Durante minha vida de falsos prazeres fui construindo meu castelo no ar e sem qualquer alicerce. Na primeira etapa de minha recuperação tive que aprender a dinâmica da engenharia das edificações para colocar um alicerce forte nesse castelo. Foi uma etapa dolorosa, pois eu insistia na velha ilusão que o castelo nunca iria desmoronar, e ele acabou ruindo. Reconstituir o que sobrou e colocar nisso um alicerce é muito mais difícil do que simplesmente construir e, para mim, um dependente, muito mais ainda, pois a droga deixa o cara preguiçoso e sem vontade de lutar, afinal a “fuga” é muito mais fácil. Fiz esse comentário acima pois tive uma semana difícil onde não consegui viver o só por hoje, pensei em resolver as coisas futuras e fui contagiado por uma ansiedade que não havia vivenciado desde que comecei a minha recuperação. Me senti impotente a lutar contra isso, fiquei louco, mas tive sempre a certeza de que, qualquer que fosse a situação, não poderia fazer uso de substâncias que alterassem o meu comportamento (inclusive remédios). Tinha certeza de que naquele dia 13 de maio de 2007 quando completei meu programa na Renascer, não era mais um escravo (adicto). Tenho uma doença, mas controlo com as ferramentas que me foram dadas pelos doze passos de AA. Usei todas essas ferramentas na semana que passou..., pois em minha cabeça doente comecei a criar problemas e situações do nada, não entendi o que era. Mas sabia que de forma alguma podia me deixar dominar por esse momento. Fui aos grupos e botei para fora, falei com minha filha que não estava bem e pedi que sempre que eu saísse ela fosse junto. Foi a primeira vez que senti realmente que algo de errado estava acontecendo. Não sei dizer o que é, mas com certeza não era uma coisa boa e lutei contra isso. Lutei mesmo!!! E estou melhorando de novo, reagindo, botei novamente a obra do alicerce de meu castelo em primeiro lugar, já que não construí este castelo em uma rocha sólida tenho que estar sempre “em obra” para mantê-lo em pé. Estive conversando com os diretores da comunidade onde passei e é exatamente isso que eles me alertaram: os problemas, as dúvidas, a ansiedade e a impaciência sempre vão existir... Eu é que tenho que estar sempre vigilante para identificar e lutar contra isso, sempre contando com a ajuda de Deus, afinal Ele é o Grande Edificador. Sou uma pessoa privilegiada, pois tive a oportunidade que muitos não quiseram ou não tiveram tempo de ter, que é a de viver feliz com o simples fato de estar respirando nesse instante. Pois, como diz o Padre Haroldo, devemos viver a vida só por esse segundo... ih passou... vamos ao próximo segundo então!!! Como posso duvidar de um homem que no alto de seus noventa anos plantou uma “bananeira” e ficou brincando com as pernas para cima, deixando todos os residentes e convidados estupefados durante sua visita a Renascer!
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
Belo exemplo de Primeiro Passo
Psicóloga que atua em Minas Gerais, Belo Horizonte, e é autora do Livro Universo Adicto
Marília é amiga do grupo Gratidão e seu e-mail é:
psi.mtm@terra.com.br
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
Artigo Jornal A Tribuna - Uruguaiana - RS
Saudade das doenças
A modernidade de hoje nos tirou algumas coisas que curtíamos quando éramos crianças. Lembro de me criar sem medos, enfrentava qualquer coisa e desafios nas barrancas do Rio Uruguai. Não tinha medo de enxurrada, chuva forte ou enchente.
Lembro que uma das poucas coisas que me metia realmente medo era ferrão de mandinho (espécie de pequeno peixe, muito comum no rio Uruguai).
Enfim, me criei atrevido e faceiro como nunca, quase não ficava doente, estava sempre ativo e, portanto, vendia saúde. O mesmo acontecia com meu irmão e irmãs.
O trabalho de minha mãe era mesmo nos segurar nas travessuras, tipo: nadar no rio perigoso, subir nos salso chorões para pegar cigarra, pegar cascudo nas barrancas, descarrilar trens, jogar bola em terrenos com muitas pedras e barro, deitar nas beiras de ruas para a água da chuva forte passar por cima e, pasmem, até terra nós comíamos. Vivia todo estropiado e esfolado, tenho várias marcas de fraturas e cortes que até hoje me fazem lembrar das “grandes aventuras” de minha infância em Uruguaiana.
Mas uma coisa era bem legal e as modernidades das vacinas nos tiraram, quase não se vê mais crianças com catapora, sarampo ou caxumba.
Nos meus tempos de guri lá pela Ilha do Marduque isso era comum e sinônimo de que a gente estava crescendo. Lembro até hoje dos comentários: “o fulano está com caxumba”, “o ciclano está com sarampo”, “tadinho dele está com catapora...”
Eram doenças que faziam parte de nossa história, ficávamos em casa e não íamos a escola, nossa mãe nos tratava com o maior carinho e também era dura em alguns casos, como o do sarampo e da catapora para nós não nos coçarmos e deixarmos marcas da doença.
Era tempo de muito carinho, comidinha da melhor e de não deixar ninguém se aproximar. Lembro de minha, mãe Dona Ione, falando: “sai daí guri ou guria que teu irmão está doente e tu pode pegar”.
Agora não se vê mais isso ou se vê muito pouco. Para nós, que enfrentávamos um inverno de renguear cusco e quase não ficávamos doentes, era uma diversão adoecer, pois isso era “gazear” as aulas e ficar descansando uma semana em casa.
São novos tempos em que os bichos nascem e vão a veterinários e são sensíveis as doenças, talvez mais para alegrar o comércio que vive desse tipo de atividade.
No meu tempo, não éramos só nós que resistíamos às doenças, os bichos de estimação nunca conheceram um veterinário e não ficavam doentes, o máximo que pegavam era sarna e nós curávamos com óleo queimado, passava alguns dias e o bicho já estava pronta para outra. Veterinário para nós era sinônimo de cuidar da criação de gado das grandes cabanhas de Uruguaiana.
Por hoje era isso e desculpem a minha ausência. Podemos dizer que fiquei preguiçoso e peguei uma dessas doenças modernas que me deixou de cama por alguns dias.
Abraços