terça-feira, 5 de janeiro de 2010



O Leão da Montanha
por Marco Leite

Durante a minha infância, havia um personagem - o Leão da Montanha - que me impressionava muito pela maneira como lidava com situações que lhe traziam, de algum modo, um tipo qualquer de desconforto, conflito, risco ou impasse: ele simplesmente evitava a todo custo a situação aflitiva, se retirando do ambiente, dizendo sempre sua frase chavão: “saída estratégica pela direita (ou esquerda)”. Talvez alguns de vocês se lembrem deste personagem que, ao menos para mim, era muito marcante... Durante minha caminhada de recuperação conheci um Leão da Montanha na Comunidade Terapêutica Fazenda Renascer, um viralatas de porte muito grande e laranja como o rei dos felinos. Pois esse leão chamado Negão foi um dos ícones de minha recuperação. Sempre que me sentia mal e queria ficar só, lá estava ele em silêncio ao meu lado, como se compreendesse que eu precisava ouvir o som do silêncio da montanha encantada onde passei quase 10 meses. Ao conhecer o Negão, o verdadeiro Leão da Montanha, compreendi tudo. Está aí o problema, o xis da questão: estamos todos, muitas vezes sem sequer nos darmos conta, agindo como aquele personagem e tomando uma saída estratégica pela direita (ou esquerda, se preferirem). Evitamos o enfrentamento das verdadeiras questões, que geralmente são situações que geram desconforto e uma sensação de impotência ou incapacidade de solucioná-las. Explico-me melhor através dos exemplos que fui colhendo nos dias que passei assistindo e participando dos dois eventos de Natal e Ano Novo, recentemente. Os problemas e os enfrentamentos dos residentes não são diferentes dos meus, e continuam. Lá está aquele cachorro sempre acompanhando nossas contradições e nossos medos de nos confrontarmos. Quando pensamos em desistir o Negão está lá quieto e compreensivo, pedindo um afago. Talvez através desse afago ele consiga transmitir a coragem para irmos permanecendo na montanha e aí sim podermos despertar um novo homem. O Negão é um cachorro especial, está velho e talvez seja o último de sua raça, como o Último dos Moicanos. Não sei quantos adictos passaram pela Renascer durante os 13 anos de vida desse Leão da Montanha. Ele viu muitos partirem, e muitos voltarem recaídos ou só para visitar esse lugar maravilhoso. Sei dizer que ele sempre recebe a todos como um companheiro de sua longa caminhada e para uma boa partilha, em silêncio, no alto de sua montanha.