quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Causos



"Gato por lebre"

por Marco Leite

Hoje é Quarta-feira de Cinzas, dia 25 de fevereiro, 7h58min. Acordei cedo, pois não fui Carnaval, fiquei em casa descansando. Portanto, não estou com aquela ressaca carnavalesca. Mas foram quatro dias de total ócio, dedicados à gastronomia e isso inspirou meu artigo.

Me considero um churrasqueiro de mão cheia e excelente cozinheiro, principalmente da culinária campeira que aprendi ainda criança com minha mãe e minha vó, lá pelas bandas da costa do Uruguai. Não me aperto no preparo de nenhuma comida salgada, nos doces eu não me atrevo, deixo para minha mãe Dona Ione ou minhas irmãs, grandes doceiras.

Nos tempos de guri, em Uruguaina, sempre ajudei no preparo das comidas de fim de semana, aquelas mais especiais, como o churrasco de ovelha, tapichi (vitela), costela de gado (aquela escolhida, hoje só se come do gado Melore, a boa do RS não se encontra por aqui em Canoas), capincho e muito peixe pescado, limpo, temperado e assado na folha de bananeira.

Na panela eu também me acertava bem em carreteiro, galinha com arroz (aqui eles chamam de galinhada), risoto ou arroz-de-forno. O principal prato de fim de semana era galinha caipira ao molho de ervilha, tendo como acompanhamento vários tipo de massas, como talharim, espagueti, nhoque, entre outras. Os responsáveis pelo sacrifício da ‘penosa’ de fim de semana eram meu irmão e eu, e o processo seguia um ritual: primeiro a mãe escolhia no terreiro uma galinha bem gorda e viçosa. Após era feito o sacrifício que era a quebra do pescoço, depois a galinha era passada em água fervente e nós tirávamos todas as penas e também sapecávamos no fogo para tirar as pequenas penujens que restavam. Quando o prato era ao molho pardo tinha um processo a mais, que era a sangria, pois o molho era feito com o sangue da galinha. Uma das partes preferidas dessa galinhada era as ovas da aves, muito apreciadas e disputadas por todos. Carnaval também me remete a lembrança de sopas, santo remédio para ressaca, principalmente a canja de galinha e era aí que a mãe aproveitava os miúdos da galinha sacrificada, ou das, pois a mãe ia juntando e depois jogava tudo na sopa.

Uma das coisas que mais me marcou na infância também ocorreu em uma quarta-feira de cinzas. Como vocês já sabem, meu pai Seu Vilmar fazia parte dos fuzileiros navais. Após o Carnaval da cidade, lá pelos meus 10 anos de idade, o Zé da Hora, colega e cozinheiro dos fuzileiros, convocou todos na coorporação para uma "lebrada" e eu fui junto no almoço de fim de Carnaval. Zé era um exímio cozinheiro e cada convite para uma dessas comilanças era motivo para todos se reunirem, beberem e saborearem os pratos do ‘chef’.

As lebres seriam servidas ao molho e acompanhadas de massas e saladas, esse tipo de animal tinha muito nos fundos do quartel e, sempre que possível, era saboreado pelos membros da corporação.

Porém, após todos estarem fartos da deliciosa comida, o Zé da Hora bateu naquela imensa panela onde estavam o molho e poucos pedaços que sobraram e anunciou: “queridos colegas, durante o Carnaval me foi dada a missão de acabar com os gatos aqui do grupamento, e foi o que fiz. Porém, para não me sentir culpado pelo extermínio dos bichanos, resolvi fazer essa "lebre" ao molho. Espero que todos tenham feito um bom proveito, mas não se alardem se descobriram que vocês comeram "gatos por lebre".

Das minhas lembranças de Uruguaiana essa é uma das mais marcantes e realmente durante muito tempo não se viu mais gatos no quartel, talvez por medo do Zé da Hora.

Um abraço e bom Carnaval a todos, pois sei que aí só ocorre em março.

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