quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Artigo Jornal A Tribuna - Uruguaiana - RS


Saudade das doenças


por Marco Leite

A modernidade de hoje nos tirou algumas coisas que curtíamos quando éramos crianças. Lembro de me criar sem medos, enfrentava qualquer coisa e desafios nas barrancas do Rio Uruguai. Não tinha medo de enxurrada, chuva forte ou enchente.

Lembro que uma das poucas coisas que me metia realmente medo era ferrão de mandinho (espécie de pequeno peixe, muito comum no rio Uruguai).

Enfim, me criei atrevido e faceiro como nunca, quase não ficava doente, estava sempre ativo e, portanto, vendia saúde. O mesmo acontecia com meu irmão e irmãs.

O trabalho de minha mãe era mesmo nos segurar nas travessuras, tipo: nadar no rio perigoso, subir nos salso chorões para pegar cigarra, pegar cascudo nas barrancas, descarrilar trens, jogar bola em terrenos com muitas pedras e barro, deitar nas beiras de ruas para a água da chuva forte passar por cima e, pasmem, até terra nós comíamos. Vivia todo estropiado e esfolado, tenho várias marcas de fraturas e cortes que até hoje me fazem lembrar das “grandes aventuras” de minha infância em Uruguaiana.

Mas uma coisa era bem legal e as modernidades das vacinas nos tiraram, quase não se vê mais crianças com catapora, sarampo ou caxumba.

Nos meus tempos de guri lá pela Ilha do Marduque isso era comum e sinônimo de que a gente estava crescendo. Lembro até hoje dos comentários: “o fulano está com caxumba”, “o ciclano está com sarampo”, “tadinho dele está com catapora...”

Eram doenças que faziam parte de nossa história, ficávamos em casa e não íamos a escola, nossa mãe nos tratava com o maior carinho e também era dura em alguns casos, como o do sarampo e da catapora para nós não nos coçarmos e deixarmos marcas da doença.

Era tempo de muito carinho, comidinha da melhor e de não deixar ninguém se aproximar. Lembro de minha, mãe Dona Ione, falando: “sai daí guri ou guria que teu irmão está doente e tu pode pegar”.

Agora não se vê mais isso ou se vê muito pouco. Para nós, que enfrentávamos um inverno de renguear cusco e quase não ficávamos doentes, era uma diversão adoecer, pois isso era “gazear” as aulas e ficar descansando uma semana em casa.

São novos tempos em que os bichos nascem e vão a veterinários e são sensíveis as doenças, talvez mais para alegrar o comércio que vive desse tipo de atividade.

No meu tempo, não éramos só nós que resistíamos às doenças, os bichos de estimação nunca conheceram um veterinário e não ficavam doentes, o máximo que pegavam era sarna e nós curávamos com óleo queimado, passava alguns dias e o bicho já estava pronta para outra. Veterinário para nós era sinônimo de cuidar da criação de gado das grandes cabanhas de Uruguaiana.

Por hoje era isso e desculpem a minha ausência. Podemos dizer que fiquei preguiçoso e peguei uma dessas doenças modernas que me deixou de cama por alguns dias.

Abraços

2 comentários:

Unknown disse...

Lembrei-me muito da minha própria infância. Onde eu era superprotegido.
Ao contrário de tí que desbravou o mundo ao teu redor, foi-me dado um um mundinho pronto. Livre de perigos, contratempos mas também aprendizado e maturidade.
Tu adquiristes anticorpos Não somente para as doenças, mas também para as dores impostas pela vida real. Já meus anticorpos sempre que chamados, eram sufocados por cobertores, antitermicos, proibições para não pegar chuva, para não pegar sol, para não pegar vento, para não pegar lua, para não pegar!
Como é bom eu saber disso hoje. É certo que minha saúde é de um cachorrinho de madame e que dou vivas aos veterinários!
Mas por outro lado sinto saudade do que não tive. Não sei jogar bolinha de gude,
não sei fazer uma pipa, não sei nadar, não sei brigar e nem sei fgazer muita coisa sozinho.
Mas estou aprendendo. Não me queixo de modo algum de minha infância. Meuas pais deram tudo aquilo que acreditavam ser bom. E isso é o que importa.
Mas foi muito bom ler tua crônica. Ver que o mundo é o mesmo à todos. E que estamos em determinado lugar e em determinado tempo e espaço, não por acaso.
Hoje eu gosto de pensar assim.
Por certo eu não teria sobrevivido às margens do rio Uruguai. Teria morrido afogado, ou picado por uma vespa ou apanhado muito desse meu grande amigo Marco leite.
um abraço meu amigo.
dinomarcos, o dinossauro a frente de seu tempo.
Mascos Henkel

Unknown disse...

Valeu Marcos.
è isso ai mesmo sempre é tempo para aprender, e adquirir coragem para vencer as adversidades