Marco leite
Hoje faz exatamente um ano que sai da Fazenda Renascer. Lembro muito claramente de meu depoimento, dado naquele domingo de maio, que por coincidência era Dia das Mães e Dia da Abolição dos Escravos no Brasil.Até hoje me vem na memória aquele momento em que olhei para os familiares a minha frente e enxerguei a minha família: minha mãe Dona Ione, minhas irmãs Marione, Viviane, Rosane e Eliane, minha esposa Rosa, minha filha Maria Clara e finalmente olhei para o meu pai, seu Vilmar, já em um estágio avançado de demência alcoólica.Dei meu depoimento de despedida aos meus companheiros e à casa que me acolheu usando a palavra adicto (ou escravo) como tema central de meu relato. Após pedi perdão para minha esposa e principalmente para minha filha pelo mal causado a elas pelos meus 30 anos de alcoolismo cruzado e também para minhas irmãs.A partir deste momento parecia que não existia mais ninguém no salão, só eu e o meu pai. Comecei então a falar para ele, mesmo sabendo que ele já não entendia mais nada devido ao estado avançado da sua doença. Mas, mesmo assim, falei que naquele Dia das Mães a pessoa mais importante que estava ali naquele momento era ele, pois meu pai apesar de ter criado muito bem seus filhos e de ter sido um bom marido, não teve a oportunidade de conhecer o caminho da libertação do álcool. Olhava para o meu pai e via o meu futuro se não tivesse conhecido a Fazenda Renascer e o caminho dos Doze Passos de reeducação comportamental. Naquele dia 13 de maio eu, o escravo, (adicto) só queria o abraço de alforria de meu pai e isso eu não poderia ganhar pois ele não teve tempo para procurar o caminho da libertação. Mas bem no fundo de minha alma eu sei que Deus fez com que meu pai entendesse o que eu queria dizer naquele dia, e ele estava orgulhoso por ver que pela primeira vez em sua vida o filho fez alguma coisa de certo.Sei que aquele momento e a entrega do Diploma de Bêbado Arrependido (brincadeira), que é um documento para quem completa 10 meses de casa, não garante coisa nenhuma. A maior luta é quando tu sais da Fazenda e vê que o mundo real continua aqui fora. Que problemas existem, que as drogas estão cada vez mais populares, a violência, enfim, os problemas vão se apresentando. Mas, hoje eu não tenho mais medo de problemas e os enfrento em abstinência, procurando a tão sonhada sobriedade. Tem várias coisas que me dão muita força para continuar, minha esposa, minha filha, minha família, os grupos de apoio, a Renascer, o Ivander, a Isolde, o Gerardus, o Márcio, o João da Notinha, o Gilmar, a Rosana e vários companheiros de caminhada que conheci na Fazenda e que continuam na batalha aqui na rua comigo.Mas a principal coisa que me mantém em pé é o sorriso agradecido e sem dentes que meu pai me dá quando me vê e eu grito
"Como é que vai o meu ALMIRANTE!!!!!".
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