terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Entre Dourados e Palometas


Por Marco Leite
Conheci a pescaria cedo, por intermédio de um pescador, o Seu Clemente, que morava na General Propício quase chegando ao rio. A casa do Seu Clemente era um barraco onde ele morava com a família, e, volta e meia, a enchente do rio invadia sua casa. Seu Clemente era amigo de nossa família, especialmente de meu pai, que era companheiro de trago do Bolicho do Seu Dário, muito conhecido na ilha do Marduque.
Pois foi com o meu pai e Seu Clemente que comecei minhas aventuras nas margens do Uruguai. Por lá conheci a Ilha da Caixa D’água, a Ilha das Três Cruzes, o Paredão, o Redemoinho da ponte – que era um grande monte de cimento armado, sobras da construção da ponte -, o Cacaréu, a Ilha Argentina e o Itapitocaí.
Esses lugares mágicos fizeram parte de minha vida durante 14 anos. Muito cedo, ainda bem menino, comecei a me aventurar sozinho nas pescarias ou em companhia do meu grande amigo Balalo, aquele mesmo, que depois jogou no Internacional.
Lembro que cada lugar dava um tipo de peixe na Ilha da Caixa D’água e o paredão era local da pesca de dourado e piava, pegávamos peixes grandes no caniço, com a água pelos joelhos. Na Ilha das Três Cruzes, lugar assim denominado por causa de uma tragédia com três irmãos que morreram por lá. A água era suja e barrenta, então pegávamos muito pintado, pacú, mandinho e jundiá, todos peixes de couro. Esse lugar era muito perigoso e profundo e é onde atracavam as chatas, embarcações que carregavam a areia extraída do Uruguai.
No redemoinho íamos pescar com a Barca dos Fuzileiros Navais, que fazia a patrulha do rio Uruguai, mas nessa pescaria só podíamos ir nos finais de semana, pois era quando meu pai, seu Vilmar, fazia o plantão na patrulha. O local ficava bem no meio do rio e era o lugar onde pescávamos de linha e pegávamos os peixes bem grandes, como: surubi, dourados (gigantescos) e piavas graúdas.
Eram raros esses momentos e foi lá que vi o maior dourado de minha vida. Ele estava na chalana do Seu Clemente, era imenso, não sei precisar quantos quilos tinha, mas para ser tirado da lancha teve que ser carregado por dois.
Ao Cacaréu e à ilha Argentina ou ilha das Cobras fui muito pouco, mas fui. O Cacaréu ficava nos fundos dos Fuzileiros e eu ia passar os fins de semana, para pescar e caçar preás de funda. Por lá, os tipos de peixes eram o dourado e a piava pois era lugar de correnteza muito forte. Na ilha das Cobras o pai não nos levava muito, pois como tinham muitas cobras era perigoso.
O lugar mais mágico de todos sem dúvida nenhuma era o Itapitocaí, afluente do Uruguai cujo nome do vem do Guarani e quer dizer rio das pedras pequenas. Lembro que quando íamos para lá era uma festa familiar, a mãe e minhas irmãs preparavam lanches, água e sucos para passarmos o domingo. O Itapitocaí lembrava muito uma sanga, e com a mata muito fechada nós andávamos quilômetros para achar os melhores locais de pescaria. Por lá também pegávamos dourado e piava.
Durante muito tempo garanti o peixe da semana lá em casa, sempre que vinha do Uruguai. Lembro de passar a comprar peixe só quando vim para Canoas, pois até então o peixe consumido pela minha família era pescado por mim ou pelo meu irmão Ubirajara.
Mas nem sempre era fartura, pois tinham as palometas. Peixe muito comum nas barragens e rios da região, a palometa é uma prima da piranha. Talvez tão feroz quanto ela, esse bichinho era brabo, quando resolvia atrapalhar uma pescaria era melhor desistir pois só vinha isso no caniço. Dizem que hoje elas tomaram conta do Uruguai, pois com a quase extinção do dourado, seu maior predador, elas estão cada vez mais dominantes na região. Ouvi falar de iniciativas para conter o avanço das mesmas, mas parece que não têm surtido efeito.
Quando estive aí em Uruguaiana, semanas atrás, lembrei dessas pescarias, mas a realidade tem mostrado que já não se pesca como antes no velho Uruguai. Torço para que as autoridades consigam devolver o rio despoluído, para a população da cidade viver as mesmas alegrias que tive em minha infância.
Artigo Publicado Jornal Tribuna - Uruguaiana - RS

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Passo do Mês


Décimo Segundo Passo

“Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos procuramos transmitir essa mensagem aos dependentes que ainda sofrem, e praticar estes princípios em todas as nossas atividades”.

por M. Fuelber

O enunciado do Passo começa com uma grandiosa promessa. Nos diz que, graças a estes passos, podemos andar despertos espiritualmente. Podemos entender esse despertar espiritual de várias maneiras. Na verdade, cada indivíduo terá seu próprio entendimento do que significa despertar espiritualmente. Também podemos entender que não existe um único despertar, mas vários e de diferentes intensidades.
Provavelmente constataremos que por intermédio dos Passos estamos readquirindo a capacidade de amar que havíamos perdido. Nos sentiremos mais felizes, centrados, serenos, confiantes no por vir e, enfim, mais maduros como pessoas.
Nada aconteceu por acaso. Admitimos nossa derrota e perda do domínio da vida.
Viemos a acreditar num Poder Superior a nós e decidimos entregar nossa vida e vontade a Ele.
Buscamos o autoconhecimento e admitimos a Ele, a nós mesmos e a outro ser humano nossas falhas. Prontificamo-nos a deixar Ele agir e remover essas falhas em nós.
Buscamos a humildade necessária para pedir a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições. Relacionamos todas as pessoas a quem prejudicamos em nossa vida de ativa e buscamos disposição para reparar os danos causados.
Com nossa relação pronta, procuramos reparar um a um os danos causados às outras pessoas. Através do Décimo Passo, passamos a nos inventariar constantemente com o propósito de não mais errar e continuarmos a nos conhecer melhor, e quando falhamos e percebemos que erramos de novo, nós admitimos prontamente e tomamos, com o auxilio do programa, as providencias necessárias para corrigir nosso comportamento e reparar possíveis danos causados.
Agora também temos como meta melhorar constantemente nosso contato com o Deus de nosso entendimento, para que possamos conhecer Sua vontade e obter forças para realizá-la em nossas vidas.
Tudo isso nos conduziu a uma nova maneira de viver e de nos relacionar com as pessoas e o mundo que nos cerca, e isso por si só já pode ser considerado um despertar espiritual. Nos sentiremos impelidos a levar adiante por gratidão, amor e até felicidade esta mensagem de uma vida nova.
Podemos falar as outras pessoas sobre o programa e os benefícios espirituais do mesmo. Mas perceberemos que a maneira mais eficaz de levar a mensagem de recuperação, passa por praticar os princípios de recuperação em todas as nossas atividades.

Então companheiros?
Que o Deus do entendimento de cada um possa Ter cada vez mais lugar em nossas vidas, que possamos ser agentes multiplicadores dessa mensagem e cada vez mais praticar esses príncipios em todas as nossas atividades.


PS:. M. Fuelber é um companheiro de recuperação que ministra palestras e fala sobre passos aos residentes da Fazenda Renascer. Ele foi muito importante em minha caminha, dentro e fora da Fazenda.

Obrigado Companheiro

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Entrega

A vida se renova na Renascer

por Marco Leite


Fiz parte da última reunião do Grupo Gratidão e principalmente tirei muito proveito da palestra da psicóloga Terezinha Humann. A Dona Terezinha foi uma das pessoas que me abriram os olhos para a verdadeira caminhada em busca da recuperação. Lembro de duas ocasiões: a primeira foi quando eu estava com três meses de residência e, mais fortalecido fisicamente, achava que o meu tempo de Renascer deveria terminar por ali. Havia tomado um chá que tem lá na Fazenda e só nasce dentro de comunidades terapêuticas: o chá “tô bom”. Este chá na verdade não faz bem, ele alimenta o ego e o auto-engano. Na verdade é uma erva daninha que se mistura com o inço, outro problema nas comunidades. Achando que o efeito do tal chá era bom acreditei que era chegada a hora de ir embora da Fazenda e coloquei isso na reunião da Dona Terezinha. Ela me questionou se não era a droga me chamando, e do alto do meu orgulho respondi que não.

Mas saindo da reunião me peguei a pensar e ali acordei pela primeira vez em minha caminhada, pois percebi que estava fazendo as minhas vontades novamente e que essas já não me perteciam mais pois tinham sido entregues a Deus. E, sendo elas entregues, que direito eu tinha de tomar essa decisão sozinho? E fui ficando na comunidade...Passei pelo quarto passo, pelo confronto, e pelo quinto passo - momentos muito importantes para quem faz recuperação em comunidades terapêuticas.

Finalmente, saí de visita pela primeira vez e dei de cara com o mundo novamente à minha frente - uma família remodelada e onde eu me sentia um estranho. Parecia que ali não era mais o meu lugar. Foram cinco dias de muita confusão em minha cabeça ainda doente.
Voltei para a Fazenda e fui à consulta com a Dona Terezinha. Coloquei minhas dúvidas, inseguranças e falei que me sentia um estranho na nova vida que me era proposta. Recebi um retorno que tomei como lei em minha caminhada, Dona Terezinha perguntou o quê eu tinha feito nos seis meses de minha caminhada e disse também que eu estava perdendo o meu tempo, porque eu não tinha pegado o gosto pela caminhada de recuperação.


Afirmou que sem isso era melhor eu voltar para casa e desistir.Foi nesse momento que percebi a grande diferença em querer e não querer recuperação. Ser feliz sem as drogas é a grande sacada e isso era o “pegar gosto pela recuperação”.

O grande problema que vejo nos dependentes é que eles se tornam pessoas tristes e sofrem sem a substância, e é exatamente o contrário que se deve fazer, devemos comemorar uma vida sadia e em abstinência. Claro que só podia me sentir um estranho em minha nova vida, pois não tinha nenhuma. Tinha sim uma ilusão de ter e dos prazeres imediatos. Minha vida de hoje um ano e três meses não é uma maravilha, mas é o que tenho.

Mas com certeza é bem melhor do que a que eu vivi durante meus trinta e cinco anos de adicção ativa.

Colégios de minha infância


Marco Leite

Eu iria contar sobre minhas pescarias..., mas resolvi mudar o assunto porque recebi uma foto, tirada por minha comadre, na qual eu apareço na frente do meu primeiro colégio, o Paso de Los Libres.
A escola continua a mesma, até o letreiro do nome é igual, mas a pintura está renovada. Voltei aos tempos de guri, isso há 40 anos. Lembro muito bem dessa época. Sempre estudei de manhã e o inverno era de renguear cusco, por mais que minha mãe me abrigasse, o vento minuano achava uma brecha. Lembro que vinha caminhando da General Propício até o Paso, que ficava perto da Igreja do Carmo, do Tênis Clube, da Aduana. O estabelecimento de ensino ficava bem em frente aos trilhos e à casa do falecido vereador Ênio Savedra.
A caminhada era longa e, no inverno, com a geada, minhas pisadas quebravam o capim congelado pelo frio. A ida para o colégio era dura, mas era ir ou ficar de castigo. E o castigo do pai era duro! No tempo em que estudei no Paso ainda não existia a Aduana de hoje, a antiga era na entrada da ponte mesmo. O retorno do Paso era uma aventura, conhecíamos todos os caminhos pela mata e pelas sangas da região. Hoje, isso tudo está coberto pela estrada que separa a cidade da Ilha do Marduque.
Muito tempo depois me mudei para a mesma rua do colégio Paso e, ali, criei meu mundo de piá travesso, sempre sujo com o picumã da maria fumaça que passava no fundo da minha casa. Era uma casa com um grande pátio e eu e meu irmão tínhamos um pequeno zoológico nos fundos, com galinhas, caturras, coelhos, cachorros, patos, corujas, peixes (em um pequeno lago que fizemos), e até um pequeno graxaim ou sorro, muito brabo, que tivemos que soltar pois se mataria na gaiola.
Logo depois do Paso, fui estudar no Colégio do Horto, que antes, durante muito tempo, só aceitava meninas, mas quando atingi as séries possíveis tive que mudar de escola. Daí o Horto já estava aceitando meninos também. Nunca fui muito de estudar, mas aprendia tudo na sala de aula mesmo e me saía bem nas notas. Do Horto me lembro das oficinas artesanais, gostava de trabalhos manuais. Mas como eu era muito “ativo”, as irmãs aconselharam a minhá mãe me mudar de colégio. Então, fui estudar no União, um colégio metodista. O que me lembro dessa passagem é de que esse colégio estava bem a frente do seu tempo. O União tinha todos os aparelhos para a prática de ginástica olímpica. Eram aparelhos rústicos e construídos com o material da região. Hoje vejo a importância disso, pois a grande maioria de nosso colégios deveriam incentivar a prática de todos os tipos de esporte, e não é o que acontece. Por fim completei o ginasial no Elisa Ferrari Valls, aquele que ficava ao lado da catedral, e em frente à praça. Foram ótimos momentos, o Elisa era um colégio muito conceituado e me saí bem lá.
Logo que completei o ginásio tive que vir para Canoas, pois meu pai foi transferido e minhas irmãs precisavam fazer faculdade, o que não tinha em Uruguaiana.
Ah, lembrei que fiz o jardim de infância no Domingos José de Almeida, nenhuma escolinha de hoje se compara àquele lugar mágico. Quando estive por aí, dias atrás, passei por lá, está tudo muito igual e muito bem cuidado. São tradições que me fazem lembrar a importância de se ter uma boa estrutura de ensino. Lembro que minhas irmãs saíram direto daí, fizeram o vestibular e passaram. Hoje isso não acontece com tanta facilidade, pois a educação está tão deficitária que foram criadas fábricas de cursinhos pré-vestibulares que não existiriam se a educação de hoje fosse que nem a dos meus tempos de guri em Uruguaiana.


Parabéns Uruguaiana.